Vou te contar uma coisa…

juro que é verdade… mas vai achar que é mentira!

Gustavo Wiering
4 min readMar 18, 2021

Podemos escrever de muitas formas uma mesma história. Podemos até mesmo nos contradizermos ao avaliar um mesmo acontecimento em momentos diferentes.

Asseguro à todos que, cada uma e todas elas, ainda que paradoxais ao serem analisadas lado a lado, poderão conter a expressão de duas verdades opostas em ambas versões.

Sendo todas as versões passíveis, portanto, de serem verdadeiras, quem quer que ouça, leia ou contraponha as versões do mesmo narrador, pode também as classificar como mentiras.

Sugiro as proposições acima, por não acreditar em nada que se possa reconhecer como verdade ou mentira de modo absoluto, uma vez que os termos são atribuídos essencialmente através do julgamento de alguém.

E,por serem um ponto de vista, seja de uma ou mais pessoas, de grupos, de associações ou sociedades inteiras, segue sem ser atributo de coisa nenhuma.

Jamais!

A cada história reportada, penso eu, serão observadas tantas verdades quanto pessoas que as faz narrar / reportar / contar / construir.

Cada uma com um ângulo próprio de observação, portanto distinto; uma bagagem única de vida; possíveis crenças e valores incongruentes e prováveis interpretações dos acontecimentos também desconcordantes.

Vieses e lapsos que nossas memórias impõem à nossas lembranças, somados as correspondentes interpretações dadas ao que se pretende transmitir como fato, são inegáveis.

Incerto é esperar uma repetição idêntica a cada vez que uma mesma história seja contada, ainda que pelo mesmo contador, dada a tendência de customizar, a cada momento no qual nos encontramos ao recontá-la, pois que o que vivemos é o que nos serve como referência para o desafio dos novos “agoras”, e significados atribuídos por nós mesmos a cada nova versão para o agora de momento.

Dos sofrimentos que se abrandam, às descobertas de novas lições possíveis de se tirar da velha história, emergem, de modo a complementar uma reflexão que não nos era possível ou que não ainda nos se apresentara, sendo desconhecido e não percebido quando a experiência se deu, mas que somos capazes de ver neste novo agora, ao recontar o que experienciamos.

Assim, vilãs e vilões vão se tornando menos terríveis…

Talvez sejamos capazes até de admitirmos um reencontro com nosso algoz, em completa paz e, quiçá, acabemos reconstruindo um contato ou construindo algum relacionamento onde novas possibilidades conjuntas floresçam, os aproximando do cotidiano, seja novamente ou pela primeira vez.

Circunstâncias são circunstâncias.

Oportunidades só nascem de encontros entre pessoas.

Mais do que uma frase solta, a afirmação acima me levou a adotar as brigas como sinônimos de fechamento de porta e morte de potenciais oportunidades através daquele ponto de contato e, portanto, evito conscientemente o confronto, sem, é claro, fugir aos conflitos.

Alguns traumas tem potência de serem alicerces para novas conquistas.

Certas vitórias, por sua vez, podem ser as culpadas de futuros fracassos, ou, ainda, condicionantes para enfraquecimentos sistêmicos que julgamos padecermos por mais que, evidentemente, naquele momento em que preenchemos nossa narrativa com tal retórica (oportuna que denote ou conote a coerência que responda ao que nos perguntamos), cuja classificação atribuída por nós seguirá não sendo absoluta, posto que para reverter o veredicto negativo da versão em andamento, basta ocorrerem novos desdobramentos no por vir da vida que justifique a ressignificação do episódio para que a mesma história trará outro enfoque aos fatos.

Apenas para exemplificar, imagine um sujeito que aceita um emprego entendido como ruim por necessidade financeira, mas que, num futuro próximo, o converte numa experiência necessária para que atingisse uma outra posição, função ou empresa. O primeiro trabalho provavelmente passa a ter uma classificação de “escolha certa” que, muito provavelmente, “se sabia que seria uma decisão acertada”!

Logo que o tal emprego foi promovido de “ruim” para “um grande passo na vida”, suponha que o tal sujeito seja demitido da posição de que se gabava, e venha a se dedicar a alguma atividade totalmente desvinculada das anteriores, passando a obter certo sucesso com a profissionalização de um hobby que levava à sério.

Muito provavelmente reclassificará os empregos anteriores com mais atributos negativos, o que retira do primeiro trabalho a descrição de “decisão acertada”, o rebaixando para, quem sabe, “um aprendizado que reflete a definição de o que é perder tempo”, ou “um passo para a grana que precisava para profissionalizar meu hobby”…

Agora fica claro como sempre se pode afirmar que qualquer uma das maneiras como contamos as nossas histórias é, seguramente, e em todos os momentos que as recontamos, para quem quer que seja, a nossa forma de ver a situação no exato momento em que a estamos reelaborando.

Que contradições entre versões não farão de uma mais verdadeira ou mais mentirosa do que outra, dados os fatores que o sujeito utiliza como balizador da classificação que dá ao que quer que esteja narrando.

Por mais que algo ganhe maior importância, ou que alguns fatos se misturem entre histórias, nada disso será uma mentira, senão, uma maneira de expressar sobre um objeto da narrativa, no exato momento em que são articuladas, racionalmente, memórias seletivas, angústias, sensações do exterior e de interior, no ritmo do entusiasmo que confira o tom das emoções.

Ocontar as histórias de vida e as angústias e visões de mundo, sem que, necessariamente seja planejada, é de tal importância para a compreensão do sujeito presente, que, pode-se dizer, é a ferramenta utilizada pela psicanálise para mergulhar nas profundezas de quem a conta. Ainda que, a cada dia, uma mesma situação poderá ser narrada por uma mesma pessoa como uma nova verdade sobre um mesmo momento, o que se fez evidenciar no texto é que não há mesma pessoa em tempos diferentes.

Não há “EU” como algo fixo.

Ninguém “È”.

Nossa condição é “ESTAR”.

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Gustavo Wiering

Mamífero comum. Sem rótulo, sem modo de usar. Arquiteto, curioso, interessado.